sábado, 29 de outubro de 2011

Automóveis mais baratos e mais empregos: qual o segredo?

O que precisamos para ter carros mais baratos, manter e ainda gerar mais empregos?

Estamos no centro de um período em que muitos produtos, antes custosos e com baixo desempenho, estão cada vez mais baratos e eficientes/eficazes. Estamos nos referindo aos eletrodomésticos (televisão, geladeira...), eletrônicos (computador, filmadoras..) entre outros , mas ainda não mencionamos os automóveis.
Os automóveis, seguramente, estão melhores e mais eficientes. Entretanto, pouco acessíveis para o consumidor final. É passível de indignação quando nos deparamos com notícias que abordam determinados cenários internacionais como: “países em que as pessoas possuem rendas maiores que as nossas compram um veículo pela metade do preço”. Mas por que este cenário insiste em aparecer?
Certamente, podemos dar um basta nessa história de falar que a culpa é exclusivamente dos impostos. A FIESP Aponta isso como razão maior dos problemas enfrentados pela indústria de transformação. Seguramente, os impostos pesam no composto produtivo, mas em qualquer lugar do mundo eles existem e são altos também. A realidade nua e crua é que as montadoras de automóveis possuem um nível de margem de lucro tal que outros setores não conseguem acompanhar o cenário de lucratividade das montadoras. Não pretendemos entrar no mérito da discussão das razões dessa margem, mas devemos entender que isto se mantém pela falta de concorrência. Elas (poucas montadoras) são os agentes dominantes de um mercado em franco crescimento.
Pois bem, temos boa memória e sabemos que “escancarar” as portas do Brasil e trazer veículos de outras nacionalidades é desastroso para a produção nacional (O trabalhador brasileiro, em tese, sofre os impactos dessas ações). Isto já foi feito há duas décadas (e estão começando a fazer de novo trazendo os carros chineses), e o saldo final foi uma massa desempregada. Para complicar, os concorrentes internacionais se adequam ao sistema nacional, que é atrativo, e com o tempo passam a ser mais um no cartel, não contribuindo tanto no quesito “custos” para o consumidor final. E ainda, as montadoras ditas locais começam a importar componentes (dizendo ser o único meio de manter a competitividade) ou tornam-se também importadoras.
Cada veículo possui em média uma “tonelada” de componentes encaixados que geram muitos empregos e poderiam ser fabricados no Brasil. É isto que precisamos para o desenvolvimento da cadeia produtiva no Brasil; o que gera e mantém empregos para a nossa geração e, sobretudo, para as futuras gerações é criar/fazer os componentes automotivos. Quando saímos na rua e vemos um veículo importado rodando, trata-se de um golpe na geração de empregos. O veículo e um relevante gerador de emprego, além de ser uma boa fonte de arrecadação pública; e o melhor de tudo: precisamos e desejamos marcas, modelos e tudo aquilo que o automóvel é capaz de contemplar.
Vamos agora para a questão central: Veículos mais “baratos” = manutenção e geração de empregos?
Quando importamos, em tese, temos preços mais baixos e como consequência, gera-se desemprego. Este é o cenário com o qual nos deparamos. Entretanto, será que não dá para contemplar os dois fatores da equação acima, ou seja, torná-la de fato uma equação em que um lado corresponde ao outro?
Após muito discutirmos o cenário, chegamos a conclusão que sim, há um meio. A resposta da equação está aqui dentro de nossas fronteiras e diga-se de passagem, território este que é propício para se trabalhar e gerar renda.
A pergunta que poderia responder a equação: Por que não surgem no Brasil montadoras nacionais? Impossível de acontecer?
De modo algum, isto é realmente possível. Temos uma rede de fornecedores de autopeças que dominam e fabricam praticamente todas as peças dos veículos. Temos grandes produtores de ferro, borracha, vidro, plásticos e alumínio que são os principais insumos na fabricação dos componentes. Os componentes os quais temos dificuldade de produzir devido as tecnologias externas são poucos e podem ser importados, pois o automóvel, em função de sua natureza produtiva, tornou-se um produto modular, ou seja, compram-se as partes (pacotes) em qualquer parte do mundo e depois realiza a montagem até se transformar num veículo.
O que estamos esperando para iniciar uma dúzia de montadoras nacionais? Porque os grandes produtores de commodities (ferro, borracha, alumínio e etc) não aumentam o valor agregado de seus produtos entrando nesse segmento?
Agora vem a questão da importação: o que fazer para evitar a concorrência de países que entregam automóveis com design moderno, de baixo custo de aquisição e que apresentam um ciclo de vida curto, ou seja, sua durabilidade é pequena?
Seguramente, temos uma boa alternativa e não refere-se a proibir sistematicamente a importação impondo cotas, por exemplo. Este mecanismo não tem mais espaço no mundo globalizado de hoje, o que realmente precisamos é impor barreiras técnicas eficientes (que é uma forma de protecionismo, porém, uma forma inteligente), da mesma forma que os EUA e os países da Europa fazem.
Se para cada tipo de veículo importado, houver uma lista bem elaborada de exigências quanto o desempenho e segurança do veículo, certamente, o cenário seria diferente. Temos o “Inmetro” que realiza tais procedimentos técnicos para muitos produtos evitando que nosso mercado seja inundado com produtos ineficientes que, por sua vez, eliminam a capacidade de geração de emprego das nossas empresas e ofendem o consumidor consciente.
Segue um exemplo: O consumidor (no mundo inteiro) compra aquilo que alinha-se as expectativas dele e o elemento ‘qualidade e preço’ são condicionantes na decisão de compra. Em alguns segmentos, por exemplo, os mais populares, o preço ainda representa um elemento estimulador de primeira ordem e a qualidade, o consumidor verificará depois do ato já consumado. Na contramão disso, se o produto não tiver requisitos mínimos de qualidade e segurança , certamente, o mesmo poderá ser uma ameaça à segurança e aos direitos mínimos garantidos por lei desse consumidor. Uma prova disso foi um modelo de perua asiática que inundou nosso mercado nos anos 90 e foi muito usada por vendedores de lanches de rua. O Veículo parecia funcional, baixo custo, porém, em determinadas situações de frenagem, o veículo capotava com muita facilidade, além das questões relacionadas a uma mecânica frágil.
Se esses veículos fossem submetidos ao processo de certificação com normas brasileiras exigentes de um mercado desenvolvido e preocupado com a credibilidade do setor, tudo seria bem diferente. O governo deve atuar nesse sentido, porque o consumidor desse segmento, e não é só no Brasil, não consegue ainda na proporção ideal avaliar e definir a qualidade e a segurança do produto que compra. Não é prioridade para uma grande fatia do mercado.
O governo está acenando com incentivos que isentam os tributos do produto final progressivamente, ou seja, quanto mais componentes “made in Brazil” for incorporado ao produto final, maior será a carga de incentivos fiscais. Seguramente, é um cenário promissor para as nossas bases locais de desenvolvimento de produtos, mas não suficiente. Será necessário um plano industrial de incentivos as montadoras nacionais e investir massivamente em barreiras técnicas impedindo uma concorrência externa de qualidade inferior de forma a credibilizar o setor e, sobretudo a P&D, solidificando e gerando empregos sustentáveis, proporcionando preços mais acessíveis e maior qualidade e segurança.




Autores: Engº Cássio Cozman
Prof. Me. Fernando Bueno
Postado em 28/10/2011


sexta-feira, 30 de setembro de 2011

Desenvolvimento Econômico e Desigualdade:as novidades pós consenso de Washington



Fonte/Autor: Carlos Lopes, Set/2011


A palavra “pós” tornou-se num lugar-comum, sendo usada nas várias vertentes dos cenários da globalização, assinalando a ruína de conceitos ocidentais usados durante muito tempo para explicar e governar o mundo. Com a crise avassaladora que atingiu os países ricos(2) e o falhanço dos sistemas financeiros que regem a economia global, entramos numa nova era. Ela é caracterizada por mudanças não só conjunturais, mas também estruturais. È uma profunda transformação que afecta percepções e distribuição de poder. Será esta transformação o fim do chamado Consenso de Washington?
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O que significa o Consenso de Washington?
O termo Consenso de Washington tem origem num conjunto de regras básicas, identificadas pelo economista John Williamson em 1990, baseadas no pensamento político e opiniões que ele acreditava reunirem consenso amplo naquela época. O conjunto de medidas incluía: 1) disciplina fiscal; 2) redução dos gastos públicos; 3) reforma tributária; 4) determinação de juros pelo mercado; 5) câmbio dependente igualmente do mercado; 6) liberalização do comercio; 7) eliminação de restrições para o investimento estrangeiro direto 8) privatização das empresas estatais; 9) desregulamentação (afrouxamento das leis económicas e do trabalho); 10) respeito e acesso regulamentado à propriedade intelectual. A referência a “consenso” significou que esta lista foi baseada num conjunto de ideias partilhadas, na época, pelos círculos de poder de Washington, incluindo o Congresso e a Administração dos Estados Unidos da América (Tesouro e Federal Reserve Bank), por um lado, e instituições internacionais com sede em Washington, tais como o FMI e o Banco Mundial, por outro, apoiados por uma série de grupos de reflexão e economistas influentes.
É importante notar que os alicerces teóricos na base destas recomendações políticas se encontram na economia neoclássica, que expressa uma firme convicção na necessidade de deixar agir a “mão invisível” do mercado. Trata-se da crença na racionalidade da escolha dos actores económicos, e visão minimalista da regulação económica dos Estados. O advento deste novo paradigma também marcou o recuo da economia do desenvolvimento como campo distinto, depois de dominada pela Teoria da Dependência e outros conceitos [NAIM, 1999], que frequentemente se encontravam em nítido contraste com a economia neoclássica e o individualismo metodológico. Foi a economia do desenvolvimento que guiou a formulação de políticas alternativas em países ditos em desenvolvimento antes da era do Consenso de Washington. A maioria dos governos Africanos independentes, por exemplo, tentou promover a industrialização, num esforço para criar produtos locais de substituição de importações, promover o emprego, aumentar o nível de vida, e sair do ciclo vicioso dos padrões de comércio. Estas hipóteses foram sobretudo estruturadas pela dupla Prebisch-Singer (termos de troca desfavoráveis para países exportadores de produtos de base e importadores de produtos manufaturados). As soluções oferecidas pelo Consenso de Washington, apresentadas como universais, contrapunham estas teorias e pretendiam ter uma aplicabilidade similar em todos os países, embora na realidade essa universalidade apelasse para tratamentos discriminatórios.
As políticas do Consenso de Washington foram aplicadas durante mais de duas décadas em contextos muito variados na África, América Latina, países da Europa de Leste e Ásia Central. Os países normalmente passavam por duas grandes fases, com o foco de intervenção a expandir-se primeiro na estabilidade macroeconómica e ajustamentos estruturais e, depois, incluir reformas institucionais que podiam incluir lutar contra a corrupção e ineficiências de infra-estruturas. [NAIM, 1999] A condicionalidade exercida pelas instituições de Bretton-Woods e países ricos, tiveram um papel decisivo nas decisões dos países endividados do Sul. Impulsionaram reformas de estabilização macro-económica e programas de ajustamento estrutural. O problema do dívida que emergiu durante os anos 70’ até aos anos 80’, na América Latina, e depois também no contexto africano, aumentou ainda mais a dependência desses países dos empréstimos externos, não deixando outra opção senão seguir as prescrições que permitiam aceder a financiamentos.
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O que falhou?
As políticas do Consenso de Washington foram muito criticadas por um largo número de economistas de renome desde os anos 90’. De maneira notória até Joseph Stiglitz, que foi economista-chefe do Banco Mundial, criticou as políticas do FMI em resposta às crises financeiras na Rússia e na Ásia. [STIGLITZ, 2003] Paul Krugman foi a favor de impor o controlo no fluxo de capitais pelos governos asiáticos em 1997-98. Gerou-se um debate sobre a resposta à crise que ilustrou bem o profundo desacordo entre economistas de renome, defendendo posições opostas, de apoio ou de oposição ao FMI. Os puristas do Consenso de Washington insistiam na importância da estabilização das taxas de câmbio em tempos de crise, através de cortes no orçamento público, impostos e taxas de juro mais altos e outras medidas recessivas. Os seus opositores criticavam estas políticas, que na sua opinião conduziriam a uma recessão. [NAIM, 1999] Stiglitz chamou a atenção para o facto dos aumentos fortes nas taxas de juro contribuirem para o agravamento da crise [STIGLITZ, 2003].
Atualmente é um denominador comum dizer que ajustamentos estruturais e programas de estabilização macro-económica tiveram um impacto desastroso nas políticas sociais e nos níveis de pobreza em muitos dos países. No seguimento da primeira vaga de reformas adotadas pelos países africanos e latino-americanos endividados -incluindo cortes nas despesas públicas, introdução de medidas de recuperação de custos nas áreas da saúde e educação, e reduções na proteção industrial, levando a um aumento do desemprego, probreza e distribuição de rendimentos- a UNICEF produziu o relatório “Adjustment with a Human Face”, instigando o redirecionamento das “meso-políticas” para a proteção de setores económicos e sociais cruciais para a sobrevivência dos pobres, através da introdução de programas de proteção social. [UNICEF, 1987]
O período de ajustamentos estruturais na África Sub-Sahariana, nos anos 80, foi marcado por um baixo desempenho económico. Os dados para o período entre 1979-1992 mostram que o PIB aumentou menos de 1% em África, enquanto no Leste Asiático e no Pacífico, onde o Estado teve políticas ativas nas áreas industriais, sociais e de mitigação da pobreza, registou-se um crescimento médio de 5% – entre 1986 e 1992. As exportações africanas estagnaram durante o mesmo período, enquanto os investimentos declinavam. A quota de exportações mundiais de África diminuiu em mais de metade entre 1975 e 1990. Também a quota de exportação de alimentos e bens alimentares dos países em vias de desenvolvimento caiu de 21% para 8,1%. Para bens manufaturados, a quota baixou de 7,8% em 1980 para 1,1% em 1990. Alguns críticos chamaram a atenção para o fato das políticas de liberalização e eliminação de subsídios de fertilizantes afetarem negativamente a produção agrícola e os rendimentos. A reforma dos preços promoveu a exportação de produtos de exportação em vez de culturas alimentares tradicionais. Outros críticos argumentaram que as culturas de exportação contribuíram para aumentar a dívida; ou ainda que os programas de ajustamento estrutural exacerbaram a distribuição desigual da terra, sob a promessa de que os preços da terra seriam eficientemente regulados pelo mercadoem vez de sistemas de titulação mais arcaicos; ou que incentivariam a desindustrialização, através da privatização e promoção de mercados desregulados. [SAHN, DOROSH, YOUNGER, 1997]
Um dos inconvenientes maiores das políticas impostas pelo FMI e Banco Mundial em África foi a falta de domínio técnico e capacidade estratégica por parte dos países implementadores. Estabeleceu-se uma relação estruturalmente desigual entre doador e beneficiário, em parte devido à debilitação de capacidades no setor público provocados pela redução drástica da máquina administrativa. Uma rápida e incontrolada liberalização das então pequenas economias africanas colocou outros perigos, tais como uma alta volatilidade de fluxo de capitais, mas mais importante, e que representa um problema maior para as economias africanas, o fato do “seu potencial crescimento ter sido diretamente afetado pela sua capacidade de exportar e usar rendimentos da exportação para diversificar a produção. A sua capacidade foi constrangida por um regime de comércio global inimigo do desenvolvimento e das vantagens comparativas dos países africanos. O acesso limitado aos mercados de texteis de baixo-custo, algodão e produtos agrícolas e a competição por parte da exportação de economias industriais altamente subsidiadas diminuíram o crescimento efetivo.» [MANUEL, 2003]
O impacto social destas reformas foi desastroso para a África Sub-Sahariana. Muitos economistas reconheceram que as dificuldades associadas com a aplicação da estabilidade macroeconómica e a liberalização das economias afetou os pobres desproporcionadamente, contribuindo para maior pobreza e distribuição desigual de rendimentos. As instituições financeiras internacionais, particularmente o Banco Mundial, demonstraram uma grande arrogância intelectual, não reconhecendo durante muito tempo o imenso impacto negativo destes programas, refutando as denúncias de muitos, limitando-se apenas a promover programas compensatórios. [SAHN, DOROSH, YOUNGER, 1997]
A estabilização macroeconómica e as políticas de ajustamento estrutural desencadearam uma onda de tumulto popular que contribuiu inclusive para o despoletar ou alimentar muitas guerras civis nos anos 90. A crise asiática de 1997 também levantou algumas questões importantes sobre as consequências da desregulação dos mercados financeiros e os limites do pensamento político baseado no Consenso de Washington.

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segunda-feira, 1 de agosto de 2011

Transformação da cadeia produtiva de P&G - Pré-Sal

No próximo dia 08/08/11, estarei participando do evento "Diálogos Capitais"com o tema "Pré-Sal - Uma transformação na cadeia produtiva de Petróleo e Gás", com participação do Governador Geraldo Alckmin, Paulo Skaf, Edison Lobão, José Sergio Gabrielli entre outros no hotel Caesar Business em SP.
O foco do evento será à análise de algumas alternativas e cenários no que tange o Desenvolvimento da Cadeia de P&G no Brasil, passando por todas as fases de implantação e sustentação quanto à exploração, desenvolvimento e produção.
Espero discutir os efeitos e a amplitude de atuação da Petrobrás, por meio do Governo Federal, no sentido de planejar, dirigir e controlar as dimensões organizacionais e de P&D de forma a preservar e sustentar uma cadeia produtiva que, certamente, passará por transformações a médio/longo prazo. A inovação e as medidas de fortalecimento da indústria de base nacional devem ser o foco do evento. Espero sinceramente que as questões partidárias e de conveniências unilaterais não sejam elementos centrais do seminário. Logo estarei postando novas informações. Prof. Fernando Bueno

domingo, 29 de maio de 2011

Remédio em excesso mata!

Por Amir Khair, fevereiro de 2011

Os remédios têm em suas bulas a posologia, ou seja, as dosagens que podem ser tomadas para produzir o melhor efeito no combate ao problema de saúde. O médico, após o diagnóstico, tem que decidir qual o remédio ministrar e a posologia adequada ao tratamento.

O mesmo ocorre para a economia. Uma das doenças a ser tratada é a inflação e o remédio mais usado tem sido uma alta taxa básica de juros, a Selic. A partir do dia 06/dez um novo remédio foi usado pelo Banco Central (BC) visando conter “certos excessos do mercado de crédito”. Ele impôs uma reserva maior de dinheiro pelos bancos quando concederem empréstimos para consumidores com prazo acima de dois anos. No caso de automóveis, essa reserva varia conforme a entrada que o comprador do veículo der. Além disso, o BC elevou o recolhimento compulsório dos bancos, tirando da economia cerca de R$ 65 bilhões.

Os efeitos deste remédio foram eficazes e imediatos, pois de acordo com o BC, até o final de janeiro, a taxa do crédito pessoal subiu de 40,3% para 49,4% ao ano, o prazo médio reduziu de cinco para quase três anos e a média diária das concessões de crédito pessoal caiu 19%! No caso dos veículos, a taxa do financiamento subiu cinco pontos nos bancos convencionais e quatro nos bancos de montadoras, o prazo médio recuou de três anos e meio para menos de três e a concessão de crédito caiu 45% nos bancos convencionais e 35% nos bancos das montadoras.

Outros indicadores confirmam queda ou estabilidade no nível de atividades depois dessas medidas macroprudenciais. A Pesquisa Mensal de Comércio (PMC) do IBGE de dezembro ficou estável em relação a novembro, e em janeiro, o indicador de atividade do comércio elaborado pela Serasa apresentou queda de 2,7%. Avalia-se que as vendas do varejo tendem a ser prejudicadas pela redução da oferta de crédito.

Quanto ao remédio taxa básica de juros a posologia adotada mundialmente é aproximá-la da taxa de inflação. Atualmente está um ponto abaixo da inflação na média mundial e nos países emergentes meio ponto abaixo. Mas no Brasil é de 5,5 pontos acima, ou seja, uma posologia anormalmente elevada, que além de não resolver a doença da inflação traz vários efeitos colaterais danosos ao corpo econômico.

1) Aumenta as despesas do governo – A Selic contamina no curto e no médio prazo todas as taxas de juros dos títulos do governo federal cuja dívida está atualmente em R$ 1,7 trilhões. Cada ponto de aumento da Selic aumenta a despesa com juros do governo federal em R$ 17 bilhões! Como essa dívida é crescente, especialmente por causa da elevação das reservas internacionais, do aporte de recursos do Tesouro Nacional ao BNDES – que são feitos com a emissão de títulos – e da Selic, esse dano será maior neste ano, anulando parte expressiva do corte de R$ 50 bilhões no orçamento do governo federal.

2) Causa elevado custo de carregamento das reservas internacionais – O BC tem mais de US$ 300 bilhões de reservas, que são aplicadas especialmente em títulos do Tesouro americano com juros de cerca de 1,5% e paga juros de 11,25%. Além disso, há a perda cambial com a valorização do real perante o dólar. No ano passado o custo de carregamento desta dívida foi estimado em R$ 26,6 bilhões pelo BC, mas esse cálculo parece conservador frente a outros estudos que apontam para R$ 45 bilhões. Neste ano deverá se elevar mais, pois crescem as reservas e a Selic em relação ao ano passado.

3) Valoriza o real perante o dólar – os especuladores do mercado internacional captam recursos a taxas próximas a zero e aplicam nos títulos do governo federal que pagam taxas elevadas. São ganhos líquidos e certos, sem riscos. O BC está dando um presentão a esses especuladores para manter o real apreciado e funcionar como âncora cambial, barateando as importações e encarecendo nossas exportações. Isso tira o poder competitivo das empresas do País tanto interna quanto externamente, causando um rombo nas contas externas, que pode se tornar explosivo. Esse risco existe, caso se mantenha essa situação, pois a política dos países desenvolvidos é continuar inundando o mundo com suas moedas para permitir elevar suas exportações e reduzir suas importações.

O mais grave é que o paciente Brasil ainda não se deu conta que está tomando o remédio errado e em doses cavalares. Ele tem, ainda, uma boa saúde, mas está ficando cada vez mais debilitado com os efeitos colaterais do remédio. O pior é que o médico já avisou que vai elevar essa dosagem, pois não está havendo a cura e o paciente tem confiança no médico e não pensa em mudá-lo. Se continuar assim, corre sério risco de espalhar em seu organismo novos problemas, que certamente serão combatidos com mais elevação da dosagem do mesmo remédio. Assim, o paciente corre o risco de vir a morrer.

A pergunta que fica é: Não dá para trocar de remédio uma vez que o outro (medidas macroprudenciais) já provou sua eficácia além de não causar os efeitos colaterais apontados? Dá, e isso precisa ser feito imediatamente rumando em prazo, o mais curto possível, para as taxas de juros a nível internacional e continuar aferindo os efeitos das medidas macroprudenciais, regulando sua posologia para que o apetite de consumo não tencione a inflação.

O consumo das famílias, que responde por 75% do consumo total, é fortemente influenciado pela oferta de crédito via taxas de juros e prazos de financiamentos. As medidas macroprudenciais, que podem influir o nível da oferta de crédito e suas taxas de juros, têm efeito imediato. As taxas Selic levam, segundo o BC e o mercado financeiro, cerca de nove (!) meses para produzir efeito. Em nove meses ninguém sabe o que estará ocorrendo no mundo e em nossa economia, pois o tempo é longo demais para previsões. Há pouco não se previa a revolta no mundo árabe e ninguém sabe onde isso vai dar, com repercussões nos preços do petróleo, em forte ascensão.

Outra questão que chama a atenção é o ciclo vicioso criado pelo BC: 1) mantém a Selic elevada para servir como âncora cambial; 2) com isso atrai capital externo para lucrar com essa taxa; 3) isso aprecia o real; 4) para segurar essa apreciação o BC compra dólares aumentando as reservas; 5) reservas maiores atraem mais capital externo, pois aumenta a garantia às aplicações externas. Ou seja, ele cria o problema e o agrava com sua “solução”.

Várias vezes o jornalista Celso Ming, em sua coluna no Estado, chamou a atenção que, quanto maiores as reservas internacionais mais atração exercerão para a entrada de capital externo.

Como resultado desse processo da ação do BC, eleva-se a dívida bruta do País, as despesas com juros do governo federal e o custo do carregamento das reservas. E tudo isso tem efeito imediato; não precisa de nove meses para repercutir numa improvável alteração da inflação.

Quanto à teoria das expectativas de que as alterações da Selic servem para conduzir os agentes econômicos a adequar seus preços conforme a meta de inflação, isso não ocorre, pois ao contrário dos outros países, onde essa teoria funciona razoavelmente, a distância entre a Selic e a taxa de juros dos bancos é tão grande, que permite variar as taxas dos bancos conforme outros interesses visando ampliar seu mercado na disputa com bancos mais agressivos em sua expansão, além das pessoas e empresas terem mais alternativas de escolha das melhores ofertas de financiamento.

A teoria das expectativas faz mais sentido para as medidas macroprudenciais, pois o seu efeito é imediato sobre o crédito, que é a perna principal da adequação do nível de consumo. As expectativas, no entanto, estão sendo mais influenciadas pela inflação corrente do que pela inflação projetada, sempre sujeita a toda sorte de erros. A inflação está sendo influenciada mais pela realidade internacional nos preços dos alimentos e commodities do que por qualquer outro fator e sobre isso pouco se pode fazer a não ser restringir o galope do crédito.

Para que possa ocorrer a mudança do remédio velho para o de nova geração, que já mostrou sua eficácia, é necessário que o BC, que já dispõe de autonomia operacional em relação ao governo e aos políticos, comece a exercê-la também em relação ao mercado financeiro, o qual adora uma Selic elevada, pois amplia sem riscos seus lucros.

Para isso é fundamental cortar a relação simbiótica que sempre existiu entre ambos. Isso agora tem melhor chance de ocorrer, uma vez que os membros que compõem o Comitê de Política Monetária (Copom) são todos funcionários de carreira do próprio banco. Além disso, já passou da hora de usar o Boletim Focus baseado em cem instituições financeiras como fonte de consulta sobre projeção de inflação e da Selic. O BC precisa estender suas consultas à academia e às instituições que representam o setor real da economia se quiser ter maior credibilidade e possuir diagnósticos mais confiáveis e de melhor qualidade.

Já passou da hora de mudar de remédio.


*Publicado no jornal O Estado de São Paulo em 27 de fevereiro de 2011

sexta-feira, 4 de março de 2011

POLÍTICA MONETÁRIA E A INFLAÇÃO

Texto de "Amir Khair, Fevereiro de 2011"

"REMÉDIO EM EXCESSO MATA"

Os remédios têm em suas bulas a posologia, ou seja, as dosagens que podem ser tomadas para produzir o melhor efeito no combate ao problema de saúde. O médico, após o diagnóstico, tem que decidir qual o remédio ministrar e a posologia adequada ao tratamento.

O mesmo ocorre para a economia. Uma das doenças a ser tratada é a inflação e o remédio mais usado tem sido uma alta taxa básica de juros, a Selic. A partir do dia 06/dez um novo remédio foi usado pelo Banco Central (BC) visando conter "certos excessos do mercado de crédito". Ele impôs uma reserva maior de dinheiro pelos bancos quando concederem empréstimos para consumidores com prazo acima de dois anos. No caso de automóveis, essa reserva varia conforme a entrada que o comprador do veículo der. Além disso, o BC elevou o recolhimento compulsório dos bancos, tirando da economia cerca de R$ 65 bilhões.

Os efeitos deste remédio foram eficazes e imediatos, pois de acordo com o BC, até o final de janeiro, a taxa do crédito pessoal subiu de 40,3% para 49,4% ao ano, o prazo médio reduziu de cinco para quase três anos e a média diária das concessões de crédito pessoal caiu 19%! No caso dos veículos, a taxa do financiamento subiu cinco pontos nos bancos convencionais e quatro nos bancos de montadoras, o prazo médio recuou de três anos e meio para menos de três e a concessão de crédito caiu 45% nos bancos convencionais e 35% nos bancos das montadoras