quinta-feira, 28 de outubro de 2010

Privatizações: Politica para o Desenvolvimento Econômico?

Publicado em 07/11/06 – Folha da Cidade/Araraquara (modelo original)
Artigo revisado em 21/10/10

Estamos em um momento eleitoral em que as discussões partidárias debatem insistentemente as causas e os efeitos das privatizações; de um lado os que as defendem como premissa básica para o crescimento econômico e de outro lado os que as colocam em discussão sobre suas dimensões reais de atuação em prol do crescimento e desenvolvimento econômico. Antes de prosseguirmos, faz-se necessário lembrar que o crescimento econômico é a principal dimensão para o desenvolvimento econômico “sustentável”, mas não representa, isoladamente, a fonte para um desenvolvimento sustentável, pois existem outras dimensões como o social, ecológica, política, tecnológica entre outras variáveis que compõem o processo, sustentando o crescimento de forma coordenada e equilibrada.
É fato que as privatizações geram, em um certo nível, novos campos de empregos. Entretanto, o que devemos questionar são as contrapartidas que os efeitos das privatizações geram ao sistema econômico brasileiro, ou seja, quais os seus efeitos às outras dimensões do sistema, como o ecológico, social e o tecnológico entre outros. Devemos compreender e identificar as características e potencialidades nacionais e locais dos setores que possam ser ou que já foram objetos de privatizações, pois a própria dinâmica do setor e da empresa, condiciona diferentes efeitos para o desenvolvimento econômico, isto é, existem questionamentos que devem ser feitos em função das características mercadológicas e estratégicas de cada setor em questão. Portanto, o que pode ser interessante para um setor, pode não ser para o outro. Sendo assim, devemos levar em consideração as questões dos benefícios reais gerados (a gerar) para a sociedade e para a economia do país e não, apenas, os benefícios gerados aos investidores, normalmente, estrangeiros.
Devemos questionar as privatizações, olhando à luz da própria condição de nosso país, pois, atitudes quanto às privatizações em países mais desenvolvidos, possuem causas e efeitos distintos à nossa; é preciso considerar que quando transferimos toda uma estrutura estratégica nacional e todo o conhecimento acumulado aos interesses privados, ficamos sujeitos às ações e objetivos estratégicos empresariais (normalmente estrangeiros) dentro de um contexto meramente competitivo. A situação é prevista, pois o mercado passa a dar as cartas sem a devida regulação do Estado. O que precisamos caracterizar dentro desse processo são as políticas de apoio e de regulamentação das ações industriais para a sustentabilidade da cadeia de suprimentos nacional que norteia um determinado setor. Uma vez privatizada, a orientação de mercado tem sua lógica voltada ao mercantilismo propriamente dito, o que invariavelmente, em função das próprias condições das cadeias produtivas nacionais em competir com as estruturas tecnológicas e inovativas estrangeiras, essas cadeias acabam se fragilizando e sendo substituídas por empresas estrangeiras, comprometendo a base produtiva nacional.
Devemos nos perguntar, pensando em desenvolvimento econômico, quais os efeitos benéficos reais e não paliativos em se privatizar no Brasil? Temos políticas públicas (sociais, ecológicas, tecnológicas, econômicas...) eficientes que possam regular e monitorar as transformações oriundas das privatizações? Quais os efeitos para as cadeias de fornecedores nacionais e para o desenvolvimento de competências ligadas a inovação? Transfere - se nossa capacidade industrial a grupos privados e o governo Estadual ou Federal acaba arrecadando, diminuindo o seu déficit primário, a partir dessas vendas; mas o que realmente, como efeito dessas ações, se retorna a sociedade brasileira a título de desenvolvimento, melhorias e expectativas? A título de exemplo - privatizaram o Banespa, e a questão das demissões foram consideradas? Será que a instituição financeira realmente estava com sua saúde financeira abalada, como noticiaram? Um banco desse porte, no Brasil e na época, seria capaz de quebrar mesmo? Não havia como o Estado fortalecê-lo? Ou estávamos com um déficit fiscal Estadual enorme e a venda foi única saída encontrada em caráter emergencial? Precisamos pensar sobre os vários contextos.
Não há uma intenção em criticar destrutivamente os processos de privatizações, e sim em questionar os seus efeitos a partir de um pensamento muito mais amplo no que tange a essência do desenvolvimento sustentável em um país em que as políticas públicas, responsáveis pela regulamentação e sedimentação de bases para o desenvolvimento, se comportam de maneira unilateral e desestruturada, por razões de interesse muito mais privado. Em verdade, privatizar pode até ter um efeito benéfico à sociedade e ao desenvolvimento, mas depende do cenário em que o setor está inserido e da articulação de todo um conjunto de atores pertencentes ao sistema.
Não podemos esquecer da Petrobrás e do Pré-Sal, objetos de discussões por todo o pais. Precisamos nos atentar para o fato de que se trata de um recurso estratégico para o país. Vendê-lo totalmente ou em partes, seria como entregar uma mina de ouro para que alguém determinasse as condições de sua exploração e comercialização. Outro fator é que a Petrobrás é a 2º maior petrolífera do mundo e com tecnologia de ponta; não há riscos quanto a sua capacidade industrial e financeira. O que existe é um imenso potencial de exploração e expectativas reais de ganhos financeiros.
Entendo que a formação de um consórcio com parcerias formadas no que tange a exploração do recurso é viável para garantir agilidade e qualidade ao processo, porém, toda essa rede de parceiros deverá estar sob controle rigoroso da Petrobrás/Governo Federal. A controladora deverá ser a Empresa Estatal, como de fato será. Determinadas atividades periféricas ou mesmo conjunta com as atividades de exploração devem ser delegadas a uma rede de parceiros, isso representa uma prática comum nos modelos de gestão de grandes cadeias produtivas, sobretudo, aquelas de intenso conteúdo tecnológico, como é o caso em questão. Tal prática, não representará a Privatização da Petrobrás (ou do Pré-Sal), única controladora do sistema de produção, como está sendo divulgado. O Controle continuará sendo da Empresa Estatal, porém, com parceiros de risco e demais investimentos externos e internos que possam fortificar e efetivar os resultados operacionais.
A partir da análise do tema e as vertentes criadas, concluo que é imprudente e superficial enfatizar que as privatizações representam uma garantia para o desenvolvimento econômico de um país. Poderá ser dentro de um contexto complementar (apoio), porém, depende da estrutura política, econômica e social da base reguladora da nação, do setor/recurso a ser privatizado e, sobretudo, do real objetivo público que, efetivamente, está permeando todo um processo de privatização.

Fernando Bueno, Administrador, Professor do ensino superior, Mestre em Desenvolvimento Regional e Meio Ambiente, Especialista em Políticas Públicas Tecnológicas.

sábado, 9 de outubro de 2010

Os desafios da economia brasileira

Artigo elaborado por Amir Khair, 12 de setembro de 2010.
Publicado no jornal o Estado de São Paulo.

O Brasil experimentou significativo avanço nos fundamentos macroeconômicos nos últimos anos. As previsões para este ano apontam para um crescimento econômico próximo a 8% com inflação tendendo a 4,5%, independentemente da equivocada elevação da Selic a partir de abril. As reservas internacionais superam US$ 260 bilhões e são maiores que a dívida externa do País. Destoa, no entanto, o déficit nas contas externas que poderá atingir US$ 50 bilhões.
Para o próximo governo os desafios na área macroeconômica serão maiores: manter crescimentos superiores a 5%, inflação abaixo de 4,5% e equilíbrio nas contas internas e externas.
Este artigo apresenta como contribuição ao debate, comentários e sugestões para atingir esses objetivos.

Pano de fundo:
O cenário externo deve permanecer hostil. A estagnação ou baixo crescimento econômico dos Estados Unidos, Europa e Japão (EEJ), responsáveis pela maior parte do consumo mundial, deverá restringir suas importações com medidas crescentes de protecionismo e pressionar para ampliar suas exportações, para ativar a expansão da produção e reduzir os altos índices de desemprego.
O leste asiático, especialmente a China deverá reduzir o ritmo de crescimento e elevar sua penetração nos mercados emergentes como compensação à redução do ritmo de expansão das suas exportações para os países do EEJ. A disputa no mercado externo será maior do que hoje e os preços internacionais deverão ficar contidos ou cair. As dificuldades para exportar serão maiores.
A liquidez internacional tenderá a se manter elevada e os juros contidos, com direcionamento maior dos investimentos para os países com maiores perspectivas de crescimento.
Acordos comerciais com os países do EEJ dificilmente poderão ocorrer e a OMC pouco contribuirá para reduzir o processo protecionista desses países.
Esse é o pano de fundo que deverá influenciar as decisões de política e de comércio externo. Nesse sentido creio que é melhor continuar a ampliar a participação comercial e ação diplomática na direção dos países emergentes e fortalecer o mercado interno.
Crescimento:
É possível continuar com crescimentos superiores a 5% ao ano desde que mantidos os estímulos à elevação do consumo, face ao potencial não explorado. Os investimentos seguem as perspectivas de consumo e as empresas captam com antecedência os movimentos e tendências de consumo e tem espaço para ocupar o que lhes foi subtraído pelos produtos importados.
Assim, deverá ter continuidade o crescimento dos investimentos acima da produção e esta acima do crescimento do consumo. O governo pode contribuir nessa direção de duas formas: a) reduzir as taxas de juros da economia e; b) ampliar as políticas de transferências de renda, como as elevações do salário mínimo e do programa Bolsa Família. É a política de crescer de baixo para cima, que caracterizou este governo com a expansão das classes D e E rumo à classe C e esta para B. A classe A cresce na esteira deste processo. É o caminho natural para aproveitar o elevado potencial de consumo existente. É um círculo virtuoso onde as empresas seguem o aumento do consumo, ampliando a produção, venda e lucro, fonte principal da poupança para os investimentos.

Inflação:
Dificilmente assistiremos processos inflacionários no mundo. A razão está no pano de fundo descrito. A disputa pelos mercados tenderá a crescer, com maior oferta do que demanda. É difícil, no entanto, prever o comportamento do câmbio. A tendência no País talvez seja de estabilização, devido a duas forças antagônicas: a tendência estrutural de desvalorização do dólar perante outras moedas e commodities e os déficits nas nossas contas externas.
Os Estados Unidos deverão tender a reduzir seus déficits externos e, para isso, continuar a desvalorização do dólar. Não está excluída a possibilidade de novas elevações da liquidez nos países do EEJ para reduzir riscos de duplo colapso. Por outro lado, o Brasil deverá ter perdas nas contas externas o que induzirá a desvalorização do real face a outras moedas.
Desde 2004 até este ano a média anual foi de crescimento econômico de 4,5% e inflação de 5,0%. É um avanço sobre o ocorrido de 1995 a 2003, quando essas médias foram respectivamente de 2,2% e 9,1%. De lá para cá os preços dos produtos importados subiram 30%. Isso poderia indicar elevação da inflação, que não ocorreu.
No auge do crescimento econômico mundial, registrado no terceiro trimestre de 2008, véspera do impacto da crise, os preços dos produtos importados pelo País se encontravam no seu nível histórico máximo de 142 (referência: 2006 = 100). A partir daí despencaram para 114 em maio de 2009 e com ligeiras oscilações estabilizaram em 120, com queda de 16% desde o início da crise. Diante disso, creio que será possível reduzir a meta de inflação para 4% nos próximos anos, com Selic tendendo ao nível internacional.

Contas internas:

A evolução ocorrida desde 2002 nos dois principais indicadores das contas internas foi favorável. Em 2002 o déficit fiscal foi 9,6% do PIB. A partir de 2003 oscilou entre 2% e 4% e neste ano a previsão é entre 2% e 3%. A dívida líquida do setor público estava em 52,2% do PIB no final de 2002, indo até 60,6% ao final de 2003. No final de 2009 estava em 38,4% e as previsões para este ano apontam para 40%.
Caso o PIB cresça 5% ao ano e a taxa média de juros de 10% neste ano caia um ponto percentual por ano, basta um superávit primário de 1,8% para em 2014 a dívida líquida cair para 30% do PIB e obter o desejado equilíbrio fiscal. Nessas condições as despesas com juros cairiam dos atuais 5,4% do PIB para 1,8% do PIB em 2014. É uma economia de 3,6% do PIB (5,4 menos 1,8), que poderá permitir a redução da carga tributária e/ou ampliar programas na área social e de investimentos em infraestrutura.

Contas externas:

Deverá ser o nosso calcanhar de Aquiles nos próximos anos.
A estratégia de estímulo ao consumo como mola mestra para o crescimento exige o aumento das importações, enquanto as empresas não conseguirem elevar sua produção para atender o maior patamar de consumo.
Para agravar esse quadro a política cambial não está impedindo a apreciação do real face às demais moedas, o que dificulta as exportações e facilita as importações.
Assim, as contas externas ficaram deficitárias desde 2008. Em 2009 o déficit foi coberto pelo investimento estrangeiro direto (IED). Neste ano, além do IED serão necessários os investimentos em carteira (ações e títulos públicos) de estrangeiros, que têm caráter especulativo. Isso gera preocupação e exige modificações urgentes para reverter isso. Entre elas destaco:
- Para melhorar a balança comercial é necessário depreciar o real e a primeira medida é posicionar a Selic ao nível internacional para reduzir/eliminar operações de arbitragem. Contribui, também, a elevação do Imposto sobre Operações Financeiras e o estabelecimento de um prazo mínimo de permanência dos investimentos em carteira.
- É mais fácil reduzir importações do que elevar exportações face ao restritivo cenário externo. Para isso, devem ser majoradas alíquotas de importação e/ou quotas para produtos com características de dumping e agir com reciprocidade de tratamento a países que imponham barreiras à exportação de nossos produtos.
- A remoção gradual dos gargalos de logística e de infraestrutura, melhora nossa posição competitiva e para isso deve-se dar continuidade ao PAC, fortalecendo-o.
- Independentemente da ação governamental estão ocorrendo investimentos por grandes empresas no setor portuário, ferroviário e de armazenagem para acompanhar o avanço da demanda e evitar que os gargalos comprometam suas rentabilidades.
- Aproveitando o crescimento expressivo da arrecadação nos próximos anos, o governo federal deveria acelerar a devolução aos exportadores dos créditos tributários estimados em R$ 10 bilhões.
Essas são algumas mudanças de caráter mais imediato. No longo prazo, o cenário é favorável. O País tem posição estratégica no confronto internacional nas commodities e alimentos, que serão demandados em escala crescente acompanhando o contingente de novos consumidores das economias emergentes.
Segundo a Agência para Agricultura e Alimentação das Nações Unidas (FAO), o Brasil terá o mais rápido crescimento da produção agrícola no mundo nos próximos dez anos. Além disso, possui reservas aqüíferas, subsolo privilegiado e energia em abundância e de boa qualidade ambiental. Esses insumos permitem custos de produção altamente competitivos e agregação de valor com a incorporação de tecnologias disponíveis.
Em síntese, embora as contas externas estejam deficitárias não faltam instrumentos para em médio prazo reverter esse quadro. No longo prazo as perspectivas são amplamente favoráveis para a retomada dos superávits externos.São muitos os desafios e não faltam avaliações e propostas para enfrentá-los. O que importa é que o próximo governo consiga avançar mais do que já foi feito.