sexta-feira, 30 de setembro de 2011

Desenvolvimento Econômico e Desigualdade:as novidades pós consenso de Washington



Fonte/Autor: Carlos Lopes, Set/2011


A palavra “pós” tornou-se num lugar-comum, sendo usada nas várias vertentes dos cenários da globalização, assinalando a ruína de conceitos ocidentais usados durante muito tempo para explicar e governar o mundo. Com a crise avassaladora que atingiu os países ricos(2) e o falhanço dos sistemas financeiros que regem a economia global, entramos numa nova era. Ela é caracterizada por mudanças não só conjunturais, mas também estruturais. È uma profunda transformação que afecta percepções e distribuição de poder. Será esta transformação o fim do chamado Consenso de Washington?
_______________
O que significa o Consenso de Washington?
O termo Consenso de Washington tem origem num conjunto de regras básicas, identificadas pelo economista John Williamson em 1990, baseadas no pensamento político e opiniões que ele acreditava reunirem consenso amplo naquela época. O conjunto de medidas incluía: 1) disciplina fiscal; 2) redução dos gastos públicos; 3) reforma tributária; 4) determinação de juros pelo mercado; 5) câmbio dependente igualmente do mercado; 6) liberalização do comercio; 7) eliminação de restrições para o investimento estrangeiro direto 8) privatização das empresas estatais; 9) desregulamentação (afrouxamento das leis económicas e do trabalho); 10) respeito e acesso regulamentado à propriedade intelectual. A referência a “consenso” significou que esta lista foi baseada num conjunto de ideias partilhadas, na época, pelos círculos de poder de Washington, incluindo o Congresso e a Administração dos Estados Unidos da América (Tesouro e Federal Reserve Bank), por um lado, e instituições internacionais com sede em Washington, tais como o FMI e o Banco Mundial, por outro, apoiados por uma série de grupos de reflexão e economistas influentes.
É importante notar que os alicerces teóricos na base destas recomendações políticas se encontram na economia neoclássica, que expressa uma firme convicção na necessidade de deixar agir a “mão invisível” do mercado. Trata-se da crença na racionalidade da escolha dos actores económicos, e visão minimalista da regulação económica dos Estados. O advento deste novo paradigma também marcou o recuo da economia do desenvolvimento como campo distinto, depois de dominada pela Teoria da Dependência e outros conceitos [NAIM, 1999], que frequentemente se encontravam em nítido contraste com a economia neoclássica e o individualismo metodológico. Foi a economia do desenvolvimento que guiou a formulação de políticas alternativas em países ditos em desenvolvimento antes da era do Consenso de Washington. A maioria dos governos Africanos independentes, por exemplo, tentou promover a industrialização, num esforço para criar produtos locais de substituição de importações, promover o emprego, aumentar o nível de vida, e sair do ciclo vicioso dos padrões de comércio. Estas hipóteses foram sobretudo estruturadas pela dupla Prebisch-Singer (termos de troca desfavoráveis para países exportadores de produtos de base e importadores de produtos manufaturados). As soluções oferecidas pelo Consenso de Washington, apresentadas como universais, contrapunham estas teorias e pretendiam ter uma aplicabilidade similar em todos os países, embora na realidade essa universalidade apelasse para tratamentos discriminatórios.
As políticas do Consenso de Washington foram aplicadas durante mais de duas décadas em contextos muito variados na África, América Latina, países da Europa de Leste e Ásia Central. Os países normalmente passavam por duas grandes fases, com o foco de intervenção a expandir-se primeiro na estabilidade macroeconómica e ajustamentos estruturais e, depois, incluir reformas institucionais que podiam incluir lutar contra a corrupção e ineficiências de infra-estruturas. [NAIM, 1999] A condicionalidade exercida pelas instituições de Bretton-Woods e países ricos, tiveram um papel decisivo nas decisões dos países endividados do Sul. Impulsionaram reformas de estabilização macro-económica e programas de ajustamento estrutural. O problema do dívida que emergiu durante os anos 70’ até aos anos 80’, na América Latina, e depois também no contexto africano, aumentou ainda mais a dependência desses países dos empréstimos externos, não deixando outra opção senão seguir as prescrições que permitiam aceder a financiamentos.
_______________
O que falhou?
As políticas do Consenso de Washington foram muito criticadas por um largo número de economistas de renome desde os anos 90’. De maneira notória até Joseph Stiglitz, que foi economista-chefe do Banco Mundial, criticou as políticas do FMI em resposta às crises financeiras na Rússia e na Ásia. [STIGLITZ, 2003] Paul Krugman foi a favor de impor o controlo no fluxo de capitais pelos governos asiáticos em 1997-98. Gerou-se um debate sobre a resposta à crise que ilustrou bem o profundo desacordo entre economistas de renome, defendendo posições opostas, de apoio ou de oposição ao FMI. Os puristas do Consenso de Washington insistiam na importância da estabilização das taxas de câmbio em tempos de crise, através de cortes no orçamento público, impostos e taxas de juro mais altos e outras medidas recessivas. Os seus opositores criticavam estas políticas, que na sua opinião conduziriam a uma recessão. [NAIM, 1999] Stiglitz chamou a atenção para o facto dos aumentos fortes nas taxas de juro contribuirem para o agravamento da crise [STIGLITZ, 2003].
Atualmente é um denominador comum dizer que ajustamentos estruturais e programas de estabilização macro-económica tiveram um impacto desastroso nas políticas sociais e nos níveis de pobreza em muitos dos países. No seguimento da primeira vaga de reformas adotadas pelos países africanos e latino-americanos endividados -incluindo cortes nas despesas públicas, introdução de medidas de recuperação de custos nas áreas da saúde e educação, e reduções na proteção industrial, levando a um aumento do desemprego, probreza e distribuição de rendimentos- a UNICEF produziu o relatório “Adjustment with a Human Face”, instigando o redirecionamento das “meso-políticas” para a proteção de setores económicos e sociais cruciais para a sobrevivência dos pobres, através da introdução de programas de proteção social. [UNICEF, 1987]
O período de ajustamentos estruturais na África Sub-Sahariana, nos anos 80, foi marcado por um baixo desempenho económico. Os dados para o período entre 1979-1992 mostram que o PIB aumentou menos de 1% em África, enquanto no Leste Asiático e no Pacífico, onde o Estado teve políticas ativas nas áreas industriais, sociais e de mitigação da pobreza, registou-se um crescimento médio de 5% – entre 1986 e 1992. As exportações africanas estagnaram durante o mesmo período, enquanto os investimentos declinavam. A quota de exportações mundiais de África diminuiu em mais de metade entre 1975 e 1990. Também a quota de exportação de alimentos e bens alimentares dos países em vias de desenvolvimento caiu de 21% para 8,1%. Para bens manufaturados, a quota baixou de 7,8% em 1980 para 1,1% em 1990. Alguns críticos chamaram a atenção para o fato das políticas de liberalização e eliminação de subsídios de fertilizantes afetarem negativamente a produção agrícola e os rendimentos. A reforma dos preços promoveu a exportação de produtos de exportação em vez de culturas alimentares tradicionais. Outros críticos argumentaram que as culturas de exportação contribuíram para aumentar a dívida; ou ainda que os programas de ajustamento estrutural exacerbaram a distribuição desigual da terra, sob a promessa de que os preços da terra seriam eficientemente regulados pelo mercadoem vez de sistemas de titulação mais arcaicos; ou que incentivariam a desindustrialização, através da privatização e promoção de mercados desregulados. [SAHN, DOROSH, YOUNGER, 1997]
Um dos inconvenientes maiores das políticas impostas pelo FMI e Banco Mundial em África foi a falta de domínio técnico e capacidade estratégica por parte dos países implementadores. Estabeleceu-se uma relação estruturalmente desigual entre doador e beneficiário, em parte devido à debilitação de capacidades no setor público provocados pela redução drástica da máquina administrativa. Uma rápida e incontrolada liberalização das então pequenas economias africanas colocou outros perigos, tais como uma alta volatilidade de fluxo de capitais, mas mais importante, e que representa um problema maior para as economias africanas, o fato do “seu potencial crescimento ter sido diretamente afetado pela sua capacidade de exportar e usar rendimentos da exportação para diversificar a produção. A sua capacidade foi constrangida por um regime de comércio global inimigo do desenvolvimento e das vantagens comparativas dos países africanos. O acesso limitado aos mercados de texteis de baixo-custo, algodão e produtos agrícolas e a competição por parte da exportação de economias industriais altamente subsidiadas diminuíram o crescimento efetivo.» [MANUEL, 2003]
O impacto social destas reformas foi desastroso para a África Sub-Sahariana. Muitos economistas reconheceram que as dificuldades associadas com a aplicação da estabilidade macroeconómica e a liberalização das economias afetou os pobres desproporcionadamente, contribuindo para maior pobreza e distribuição desigual de rendimentos. As instituições financeiras internacionais, particularmente o Banco Mundial, demonstraram uma grande arrogância intelectual, não reconhecendo durante muito tempo o imenso impacto negativo destes programas, refutando as denúncias de muitos, limitando-se apenas a promover programas compensatórios. [SAHN, DOROSH, YOUNGER, 1997]
A estabilização macroeconómica e as políticas de ajustamento estrutural desencadearam uma onda de tumulto popular que contribuiu inclusive para o despoletar ou alimentar muitas guerras civis nos anos 90. A crise asiática de 1997 também levantou algumas questões importantes sobre as consequências da desregulação dos mercados financeiros e os limites do pensamento político baseado no Consenso de Washington.

Acesse e saiba mais: Read more of this post